Kitty Lopes
Uma história de luta, conquistas e muito amor
Compartilhar histórias, falar sobre autocuidado, autoconhecimento, valorizar à empatia, plantar a sementinha do acolher, ser um veículo de escuta, é a missão maior da Mezcla Mulher. Hoje, vamos contar a história de Mônica Gouveia. Um relato de pura emoção, de uma mulher que aos 25 anos deixou o Brasil, com o único desejo de pisar em outras terras e andar por diferentes ruas mundo afora. Curiosa, teimosa, guerreira, que também como muitas de nós, passou por várias perdas. É uma sobrevivente nata. Nessa luta diária, chorou, cresceu, aprendeu idiomas, casou com seu amor e viajou o mundo. Hoje é uma mulher de 40 anos, brasileira, que há 8 anos montou o próprio negócio em solo americano. E aí, vamos Mezclar?

Nos conte um pouco quem é Mônica Gouveia?
Sou baiana de Salvador, filha mais nova de pais jovens e guerreiros, neta da mulher mais incrível do mundo, esposa de um marido que foi uma das melhores descobertas da minha vida, mãe de bicho, desde pequena, amiga de seres absolutamente fantásticos, madrinha de uma menina mais que especial e agora, no ano em que completei 40, fui convidada pra falar de mim. E essa foi provavelmente a pergunta mais difícil que já me fizeram. Sou tudo isso que escrevi e sou também uma mulher de 40 em plena descoberta do meu papel no mundo.
Mônica em 3 palavras.
Guerreira, curiosa e teimosa são as primeiras palavras que chegam na minha mente.
Nos fale um pouco sobre a sua trajetória e sua formação.
Fui criada com os pés no mar da Ribeira e a cabeça no mundo! Lembro que desde muito pequena meu sonho era morar no Rio de Janeiro e ser artista. A partir dos 11 anos, fiz pintura, artesanato, teatro e sempre com a sensação de que mesmo não sabendo pra onde, eu sentia que precisava correr mundo, pisar em outras terras, ver e vivenciar algo que não sabia nem o que era ao certo. Mas, o coração seguia palpitando por um universo de sensações que me inquietavam, e eu sabia que não encontraria na Bahia. Segui minha caminhada, tentei fazer o que supostamente deveria fazer e ingressei no curso de Jornalismo. Os próximos 4 anos foram recheados de amor pelos estudos em comunicação, e era fascinante, mas trazia um vazio inquietante, por não conseguir me enxergar como uma profissional na área de jornalismo em nenhum futuro, mesmo que no imaginário. Também foi a época mais dolorida da minha vida. Ali, entre os anos de 2002 e 2005, viveria os anos mais angustiantes e doloridos até então. Perdi os amores da minha vida, meu pai e minha vozinha, no espaço de um ano - perdas ligadas a doenças longas e muito dolorosas. Ao mesmo tempo vivi um relacionamento abusivo, que terminou em meio a um turbilhão de eventos e que mesmo sendo muito ruim para mim, também fiquei sem saber como lidar com essa “perda”. Foi somente no verão de 2005 que eu cheguei à conclusão de que precisava de outras ruas para caminhar, um idioma novo para aprender, que o desejo e curiosidade por saber o que eu ia querer fazer para o resto da minha vida se transformaram em uma necessidade, como se minha vida dependesse disso. Lembro que numa tarde de sábado, entrei no quarto de minha mãe e disse para ela que precisava sair de lá, queria passar 3 anos viajando e aprendendo sobre o mundo.
Como foi para uma mulher, brasileira, sair do seu país de origem e ir, sozinha, com a cara e a coragem para os Estados Unidos?
Depois de conversar com minha mãe, para minha surpresa, ela me disse que entendia. Disse que via a importância dessa descoberta na minha vida e que tinha me criado para o mundo, que precisava me ver feliz e que ia me ajudar no que fosse possível. Eu tinha duas colegas de faculdade que viajaram num programa de intercâmbio. Uma foi pra França e a outra pra América. Naquela época, resolvi que aprender inglês ia ser fundamental para começar esse ciclo de viagens e então ficou fácil tomar a decisão de por onde eu ia começar. Me inscrevi para o intercâmbio, contratei um professor americano que pudesse me ajudar a pelo menos entender e falar o básico, e todo o processo foi muito rápido. Decidi sair em novembro de 2005, tranquei a faculdade, que afinal, só faltariam completar algumas matérias até a graduação. No dia primeiro de maio de 2006, eu já estava participando do treinamento em Nova York.
Você conseguiu fazer amigos? Encontrou um amor? O povo americano foi receptivo? Me fale sobre as dificuldades e o apoio emocional que você recebeu.
Eduardo. Aquele que ia me ensinar o que é o amor. Aquele incondicional, que aconchega, que abraça, sem sufocar, que apoia acima de tudo. Voltando para o verão de 2005, dias depois de me inscrever para o intercâmbio e já ter decidido como e quando ia viajar, conheci através de uns amigos, um casal mágico e muito incrível, e fizemos amizade mesmo sem que eu ou eles pudéssemos nos comunicar. Eles pareciam estar me dizendo coisas importantes sobre a América, sobre como iriam ser parte de minha vida e eu, sem entender uma palavra, sorria e agradecia por tanto carinho. No dia 3 de março conheci Eduardo. Esse rapaz curioso, lindo e com o olhar mais sincero que já tinha visto. Ele estava na Bahia, trazido por esses amigos, porque eles voltaram para casa com a missão de que ele fosse conhecer a mulher da vida dele. Importante dizer, que a essa altura, ele tinha certeza de que eu sabia da existência dele. Meus amigos, quando nos conhecemos, tinham falado muito dele para mim e eu, sem entender uma palavra do inglês, sorri e agradeci a gentileza. Mas, não fazia ideia de que eles estavam me falando que tinham um grande amigo para me apresentar. Que ele era perfeito para mim e tínhamos muito em comum. Ele voltaria para o Brasil dias antes da minha partida, me pediu em namoro. No dia 2 de maio foi me visitar em Nova York e algumas semanas depois, em Seattle (eu estava com a família que supostamente seria parte fundamental do meu processo para aprender inglês) ele me pediu em casamento. A partir dali, e se fosse detalhar cada acontecimento, certamente não caberia aqui... fui pra Califórnia e nos casamos no dia 9 de junho daquele ano. Como a família de Eduardo é mexicana, acabei aprendendo espanhol antes de poder dominar o inglês. Trabalhei como gerente de apartamentos, encontrei trabalhos como faxineira, vendi flores no mercado, passei também a levar produtos daqui para vender no Brasil. Tudo isso com ele do meu lado. Foi trabalhando para essa empresa de apartamentos, que descobri qual seria minha verdadeira paixão.

E suas conquistas? O que significa para você, uma brasileira empreender em solo americano? O que te fez escolher essa profissão? Nos conte um pouco sobre isso.
A minha chefe se tornou uma grande amiga e ela passou a ocupar um lugar na nossa vida meio que o de mãe. E com ela dividi muito dos meus sonhos e vontades. Por anos ela ouvia todos os meus planos fantásticos, mas que para ela não passavam de sonhos loucos. Quando ela foi demitida, o mundo dela virou de cabeça pra baixo. Ela se aproximava dos 50 anos e não sabia como recomeçar no mercado de trabalho. Isso aconteceu quando a economia da América estava começando a ver uma melhora, depois de alguns anos de uma crise seríssima. Daí eu tive a ideia de abrir uma empresa de decoração comercial, com a função de preparar casas para vender. Ela, primeiro achou que era mais uma das minhas loucuras, disse que era impossível começar um negócio sem capital, que não dava para entrar no mercado sem conhecer gente da área imobiliária etc. Eu, que naquele momento já sabia do amor por design e decoração, já tinha tudo planejado na minha cabeça. Alguns meses depois estaríamos estourando alguns cartões de crédito e enchendo a casa dela de móveis e acessórios. Lá, passaríamos a operar Staging by Us pelos próximos 4 anos, até que crescemos mais do que a casa dela podia suportar e mudamos para um endereço comercial. Estamos no oitavo ano da empresa. Eu sou a responsável por entregar aos clientes, casas que vão ser o desejo de consumo dos compradores e Julie cuida de toda a parte operacional. Nosso maior problema hoje é o de administrar a demanda. Com tantas dores e trabalho que acompanham o crescimento, decidimos que, por agora, nossa empresa está do tamanho que podemos aguentar, já que os dias têm apenas 24 horas.

O que te impulsiona?
Não lembro exatamente quando tudo começou, mas foi num tempo entre a compra do nosso apartamento e a fundação da minha empresa, que passei a viver dias infernais, com dores insuportáveis por todo o corpo, choques nos braços, nas pernas, junto com a sensação de que tinham formigas de fogo andando e mordendo todo o meu corpo. Comecei a ganhar muito peso, a não ter um dia de sono restaurador. Me consumia com perda de memória, passava quase todo o tempo sem conseguir me expressar direito porque minha cabeça não ajudava a organizar meus pensamentos. Meus pés doíam tanto que passei a usar uma bengala, só para poder ter equilíbrio. Minhas mãos travavam. Um dia meu filho gato se deitou comigo e tive uma crise alérgica que veio para ficar. Quase tudo o que eu comia me fazia mal. Doía e sentia como se alguma coisa estivesse quebrada dentro de mim. Ninguém conseguia me ajudar. Busquei inúmeros médicos, ouvi de alguns que isso era depressão, me encheram de remédios para dor e antidepressivos que nunca me ajudaram. Ouvi de familiares que isso era frescura, preguiça, falta de sexo. Pessoas que achei que seriam amigos de toda uma vida, desapareceram. Muitos desistiram de tentar me encontrar, porque eu passei a cancelar quase todos os meus planos fora do trabalho. Com o passar do tempo, não conseguia interagir com muita gente. Viajar pelo mundo se tornou um desafio, porque passava quase todos os dias de viagem me recuperando do voo. Sentia um cansaço eterno. Mais exames, nenhuma resposta... já não conseguia cuidar da casa. Foram quase 4 anos, até que uma médica maravilhosa finalmente me diagnosticou com Fibromialgia. Essa palavra grande vem acompanhada de uma lista gigante de sintomas, sem nenhuma explicação sobre o que pode desencadear e com a única certeza de que você não vai morrer da doença, mas vai morrer com ela. Não tem cura. Não tem nenhum remédio mágico para fazer as crises pararem. Passei a beber diariamente, porque se isso não fazia melhorar, me ajudava a esquecer. Comia como se o mundo fosse acabar amanhã, já que ia ter que viver para sempre sentindo como se meu corpo não fosse mais meu, que a dona da minha existência agora era essa doença. No final de 2017 decidi dar um tempo na bebida, tinha cansado de viver de ressaca. Também descobri que existiam miomas bem grandes no meu útero e que seria difícil engravidar. Como ter filhos nunca esteve nos meus planos, isso não me abalou em nada. Não usava nenhum método anticoncepcional há anos e, pelo que eu sei, nunca engravidei. Até que em 2018, durante uma viagem para Fiji, sem nenhuma explicação, acordei um dia me sentindo incrivelmente bem. As dores tinham desaparecido por completo e dormia como se nunca tivesse sentido nada. Meu corpo estava inchado e sentia os desconfortos de uma TPM bem típica. Muitos dias se passaram, e nos demos conta de que eu já estava de TPM há uns 20 dias. Fiz um exame no quarto do hotel e minha vida mudou naquele instante. Estava grávida! E feliz com essa descoberta! Voltamos para casa e perdi nosso bebê com 2 meses de gravidez. Descobri que queria ser mãe e faria o possível, para que isso pudesse acontecer. No início de 2019 veio o resultado mais esperado... estávamos novamente, eu e Eduardo, esperando nosso filho humano tão desejado... e perdi novamente. Dessa vez seria diferente. Já havia suspendido qualquer tipo de medicação, desde o dia que descobri que estava grávida. Tinha começado a fazer terapia uma vez por semana e resolvi que passaria por isso, sem nada que pudesse mascarar o que estava sentindo. Somente com o apoio de meu marido, minha mãe e meu terapeuta. Fiz a cirurgia para retirada dos miomas em junho de 2019. Contrariei os médicos e ao invés de ficar em casa me destroçando de dor e desespero, e mesmo que não tenha parado de trabalhar, fiquei administrando a empresa de casa por duas semanas, até que quase enlouqueci e resolvi ignorar as dores físicas e voltei fisicamente ao trabalho depois de 3 semanas. Contratei uma personal trainner em julho, joguei fora toda e qualquer comida processada que encontrei na casa, passei a treinar 5 vezes por semana, mesmo com dores absurdas. Treinos leves e milimetricamente planejados por essa amiga incrível, que passou a estudar minha condição e ouvia com atenção sobre todas as minhas limitações. E mesmo com quase todos os que me cercavam, com exceção de meu marido, sempre me dizendo que me conheciam e sabiam que eu não duraria nem 2 meses me cuidando tanto, segui. Já se passaram 2 anos. Hoje, 20 quilos deixados no passado, ainda sinto os sintomas e efeitos devastadores da minha condição, só que agora não brigo com ela. Entendi que não sou como outras pessoas, que ela vai me acompanhar até o dia que encontrarem uma cura. Então, passo os meus dias em negociação com a fibromialgia. Ela tem até apelidos. Ela também me ensinou que eu precisava cuidar mais das pessoas que me cercam, principalmente as mulheres. Passei a tirar fotos dos meus treinos e sempre posto nas minhas redes sociais. Primeiro era como um diário, que me permitia ver meus resultados, até que passei a receber o apoio de tantas amigas, primas amadas. Comecei a escrever sempre alguma coisa sobre aquele dia, sobre o como se tornou possível cuidar de mim, mesmo com dor. E acho que inspiro algumas pessoas. Não sou blogueira, nem tenho a intenção. Minhas redes sociais são fechadas, e somente uso para manter algum tipo de contato com pessoas que conheço e que de alguma forma fazem parte de minha vida. Frequentemente recebo mensagem ou encontro alguém que vem para mim e do nada me diz que passou a se exercitar porque me acompanha. Outros que falam que acordam indispostos, mas que depois de ver minhas fotos e ler o que escrevo, se sentem motivados a fazer, por não encontrar desculpas melhores que as minhas para evitar malhar. Tenho dias difíceis. Me permito ter momentos em que preciso respeitar o tempo do meu corpo. Nunca cancelei um trabalho ou deixei de ir trabalhar. Tem dias que me deito em qualquer pedaço de chão e fecho os olhos por uns minutos, para conseguir encarar a dor. Tenho também uma vida que quero viver, o meu amor, e o que me motiva hoje é uma mistura de tudo o que já disse...
2021 - Passamos o ano anterior inteirinho tentando engravidar. Atravessamos o ano de 2020 buscando também manter a sanidade, desde que nos demos conta que o mundo, do jeito que conhecíamos, estaria se transformando para sempre. Me dei conta de que não adianta viver em função de planos e frustrações com o que está fora do nosso controle. Talvez minha missão seja seguir tirando animais de abrigos para dar a eles uma vida feliz. Domino 3 idiomas, sou dona de um negócio, que foi somente um sonho distante um dia. No momento estou cuidando e aconchegando meu ser. E buscando dar novo significado para o meu desejo de ser mãe. Não foi possível. Tentei. Sei que vou ficar bem. Ah!!! Os 3 anos que mencionei, viraram 15 e nunca voltei para terminar a faculdade. Desse tempo guardo boas lembranças, amigos que fiz e torço pelo sucesso de cada um deles. Também o eterno agradecimento por todo o apoio de cada professor e funcionário que me cuidaram como se eu fosse da família. Me deram um lugar seguro, carinho, aconchego, educação... Isso eu nunca vou esquecer!

Quais são seus planos para o futuro?
Tantos países para conhecer, uma profissão que amo, o meu negócio de que tanto me orgulho e precisa de mim, um marido que celebro diariamente, animais que todos os dias me ensinam a ser melhor. Meu presente da melhor maneira possível, o melhor que posso ser hoje. Esse é o meu plano para o futuro. Seguir tentando fazer o bem e viver bem no presente.
Qual a percepção que você tem sobre nós mulheres e a sociedade? O que você acha que está faltando?
Estamos vivendo um momento crítico como sociedade e como espécie. Com o passar dos anos, fui me dando conta de que nós mulheres somos as nossas maiores inimigas. Sou muito vocal com relação a isso. Busco ser presente e estar disponível para cada mulher que passa pela minha caminhada, sem exceção. Tenho cada vez mais aprendido e entendido o quanto precisamos nos nutrir, nos proteger e estarmos mais abertas umas para as outras. Não temos mais tempo. Independente de como cada uma se vista, de religião, de orientação sexual. Cabe a nós, que somos as responsáveis por colocar mais gente no mundo, entender esse poder, e cativar umas nas outras a importância de educar a nossa espécie de uma forma melhor. Ainda temos tanto o que aprender.
Que importância você vê na plataforma Mezcla Mulher - uma plataforma de comunicação feita por mulheres, para o acolher todas as mulheres?
Quando fui apresentada a Mezcla Mulher, fiquei encantada com a ideia de uma plataforma feita pra mulheres, por mulheres!!! Desejo a vocês todo o sucesso merecido e que essa seja a casa que possa acolher muitas. Que a Mezcla Mulher seja um veículo para plantar muitas sementes de amor, união e conforto entre nós mulheres.